Clairton Rosado - Mestre em Artes/Música - USP - Bacharel em Música/Composição - UFRGS
"Cantar é mais do que lembrar, (...) mais do que viver do que sonhar, é
ter o coração daquilo", já dizia Caetano Veloso em uma de suas
composições. O cantor/intérprete é, por conseguinte, um portador dos
sentimentos que canta, porém não basta apenas que ele os leve consigo;
para transmiti-los, é necessário que o faça com verdade, deve acreditar e
ser cúmplice destes sentimentos, para só então tornar-se deles um fiel
enunciador.
Em pouco mais de dez anos de carreira, Ana Carolina tornou-se a voz que
expressa sentimentos construídos sob expectativas e frustrações que
insistem em permanecer no coração, ou que muitas vezes dele querem
distância. Sua escolha por um repertório em que se desvelam relações
amorosas e toda a intensidade que permitem é uma escolha perigosa, na
qual muitos são os riscos, sobretudo tornar-se presa fácil das
melancolias que habitam este tipo de repertório. Ana Carolina dribla
tais perigos basicamente com a ajuda de três ingredientes: ginga, doçura
e atitude. Contudo, a receita não é tão simples e direta, exige
habilidade para definir as dosagens e o momento certo de aplicá-las.
A vida transposta às canções pode ser transformada conforme os
sentimentos que nestas são vividos, mas sobretudo pela forma com que são
encarados. Por vezes o desejo é de repulsa, exige a atitude do não e da
contestação, momento em que Ana Carolina se mostra mais agressiva e
roqueira. Em outras situações são as boas lembranças que sobressaem,
pois uma relação que embora não tenha vingado também possui aspectos
positivos, é quando a cantora apresenta seu lirismo. Noutras
oportunidades o melhor é ter bom humor para se lidar com os fatos, surge
aí a Ana Carolina sambista.
Muitas vezes o que é dito torna-se menos importante do que a forma
usada para dizer, o que re-vela um desejo maior: a necessidade de
expressar algo. Reside nisto uma inquietação, que normalmente surge de
onde não sabemos, mas que está lá e nos exige ação. São perguntas que
brotam e que não necessariamente obterão resposta, mas que justificam
sua existência pelo simples fato de li-bertarem a possibilidade da
busca. São inquietações que na alma de um artista convertem-se em
processo criativo, e que dão vazão ao encontro do caminho que levará à
constituição de sua obra. Elas advêm do interior do próprio artista, mas
também de todos os seus ouvintes, dos quais ele capta desejos e
angústias e se torna sua voz.
Curiosamente, as inquietações de Ana Carolina transformam-se não apenas
em canções, mas também através de outra habilidade sua: a pintura.
O desejo pela expressão adquire feições em seus quadros que a conduzem
ao desenho/escrita de palavras, que, segundo a própria artista, não
possuem a intenção de serem compreendidas. Vários destes quadros
intitulam-se "cartas", algumas endereçadas, outras não, que nascem
sabendo-se errantes e vivem pelo desejo de expressar o que carregam
dentro de si.
Ana Carolina, compositora, pintora, intérprete. Artista narradora dos
sentimentos que nela vivem, artista instrumento aos sentimentos que
vivem em todos os seus ouvintes. Desenvolve-se entre ela e estes um
diálogo de cumplicidade e amor, gerador de força mútua, que não à toa
ela canta em seu mais recente disco: "por isso é que eu canto, não posso
parar, por isso essa voz tama-nha".
Fonte: atribunanet.com