sábado, 26 de maio de 2012

A Expressão de Ana Carolina

Clairton Rosado - Mestre em Artes/Música - USP - Bacharel em Música/Composição - UFRGS

 "Cantar é mais do que lembrar, (...) mais do que viver do que sonhar, é ter o coração daquilo", já dizia Caetano Veloso em uma de suas composições. O cantor/intérprete é, por conseguinte, um portador dos sentimentos que canta, porém não basta apenas que ele os leve consigo; para transmiti-los, é necessário que o faça com verdade, deve acreditar e ser cúmplice destes sentimentos, para só então tornar-se deles um fiel enunciador.
Em pouco mais de dez anos de carreira, Ana Carolina tornou-se a voz que expressa sentimentos construídos sob expectativas e frustrações que insistem em permanecer no coração, ou que muitas vezes dele querem distância. Sua escolha por um repertório em que se desvelam relações amorosas e toda a intensidade que permitem é uma escolha perigosa, na qual muitos são os riscos, sobretudo tornar-se presa fácil das melancolias que habitam este tipo de repertório. Ana Carolina dribla tais perigos basicamente com a ajuda de três ingredientes: ginga, doçura e atitude. Contudo, a receita não é tão simples e direta, exige habilidade para definir as dosagens e o momento certo de aplicá-las.
A vida transposta às canções pode ser transformada conforme os sentimentos que nestas são vividos, mas sobretudo pela forma com que são encarados. Por vezes o desejo é de repulsa, exige a atitude do não e da contestação, momento em que Ana Carolina se mostra mais agressiva e roqueira. Em outras situações são as boas lembranças que sobressaem, pois uma relação que embora não tenha vingado também possui aspectos positivos, é quando a cantora apresenta seu lirismo. Noutras oportunidades o melhor é ter bom humor para se lidar com os fatos, surge aí a Ana Carolina sambista.
Muitas vezes o que é dito torna-se menos importante do que a forma usada para dizer, o que re-vela um desejo maior: a necessidade de expressar algo. Reside nisto uma inquietação, que normalmente surge de onde não sabemos, mas que está lá e nos exige ação. São perguntas que brotam e que não necessariamente obterão resposta, mas que justificam sua existência pelo simples fato de li-bertarem a possibilidade da busca. São inquietações que na alma de um artista convertem-se em processo criativo, e que dão vazão ao encontro do caminho que levará à constituição de sua obra. Elas advêm do interior do próprio artista, mas também de todos os seus ouvintes, dos quais ele capta desejos e angústias e se torna sua voz.
Curiosamente, as inquietações de Ana Carolina transformam-se não apenas em canções, mas também através de outra habilidade sua: a pintura.
O desejo pela expressão adquire feições em seus quadros que a conduzem ao desenho/escrita de palavras, que, segundo a própria artista, não possuem a intenção de serem compreendidas. Vários destes quadros intitulam-se "cartas", algumas endereçadas, outras não, que nascem sabendo-se errantes e vivem pelo desejo de expressar o que carregam dentro de si.
Ana Carolina, compositora, pintora, intérprete. Artista narradora dos sentimentos que nela vivem, artista instrumento aos sentimentos que vivem em todos os seus ouvintes. Desenvolve-se entre ela e estes um diálogo de cumplicidade e amor, gerador de força mútua, que não à toa ela canta em seu mais recente disco: "por isso é que eu canto, não posso parar, por isso essa voz tama-nha".


Fonte: atribunanet.com